sexta-feira, agosto 04, 2006

OH, XÔ DOUTORE, PRECISA DE UM FUNIL?!

Caríssimos,
Aqui começa a serie de croniquetas da vida real directamente decalcadas da Law &Order (para os mais incautos e novinhos foi a série de policias dos 90's, sendo pedra base de todas os futuros formatosde séries de advogados) mas ao contrário, neste conceito sociológico-geográfico denominado Portugal em busca , qual sir Lancelot do Santo Grall( o Direito e a Justiça), mas a Guinevier (alguma pecunia), que é o que interessa sejamos francos, ainda não deu a cor de si; mas se viesse a verdadeira Guinevier não se desaproveitava.
" Já a manhã tocava de finados, discutindo-se acaloradamente entre colegas o melhor sitio para matar a fome, quando o único elemento caracteristico do século vinte naquela sala gótica a são Bento da Vitória impôs de modo ditatorial máxima apócaliptica segundo a qual as máquinas dominam os homens.
Toca uma, toca duas, olhares cruzados, Já passa do meio dia isto significa que quem tiver a sorte de ficar com o cliente bem pode dizer adeuzito ao almoço,
-É a tua vez, diz um
-Pois é, sentencia o outro.
Não tinha escapatória, já tinha metido água da primreira vez, mas por milagre tudo acabou em bem, o que mais queria era passar descansadamente o resto do meu dia. Mas isso não ia claramente acontecer.
Depois de receber com a minha melhor voz grossa as indicações, lá fui eu com a pasta na mão e a compreender o sentido daquela frase" Avé César, os que vão morrer saudam-te!"
Chegado lá, os funcionários deitavam olhares cumplices uns aos outros, havia ali qualquer coisa que todos sabiam menos eu, e cheirava-me que não era coisa boa.
Dirigi-me aquele que me parecia mais simpático, neste caso o mais gordinho, é um cliché mas os gordos são mais simpáticos é cientifico.
- Foi daqui que chamaram por um advogado? atirei com o meu sorriso para as horas de "é pá, não percebo nada disto tirem-me deste filme por favor".
Foi sim, e atira de rajada artºs do CPP e CP como se não houvesse amanhã, "mas olhe que é só para depois do almoço." assegurou.
Rápida consulta ao CP e CPP, aqui os postits amarelos provaram o seu valor no campo de honra," porque é que não estavas com atenção nas aulas do Seiça", foi um pensamento que passou várias vezes pela cabeça, mas depois recuperei completamente as faculdades mentais.
Após consulta aos autos descobriu-se que afinal à boa maneira portuguesa não se sabia qual a morada , Porto na tipica Cimo de Vila ou uma estrada secundária numa aldeia perdida no belo Minho?
Debalde, várias soluções atiradas ao vento, olhava-se para o relógio meia hora, "para o diabo a morada o que interessa é o almoço", pensamento unânime dos presentes.
Uns telefonemas para a PJ por causa de uma saída precária sem termo certo de um tal A.
-Esperemos pelo arguido,sr dr
-Sim é melhor concordei eu e olhei para o processo, "Olha um mandado de detenção isto é interessante!" pensei eu, mal sabendo que o que estava no corredor...
Entra o sr agente e atrás vinha o sr J.
Apoiado numa canadiana com boné á anos trinta de cor indeterminada , óculos garrafais que lhe escondiam a face oval com barba branca de três dias, calça camisa vergada ao peso da carteira e pente completado com gravata e casaco, tudo de cores imprecisas e magnificamente conjugadas.
Os funcionários escondiam a face entre volumes e apensos preparando-se para o que aí vinha. Levanto-me dirijo-me a ele, lá terá que ser...
Após uns passos , algumas certezas ficaram assentes,
As cores indeterminadas do vestuário deviam-se a um excesso de falta de lavagem reforçado pelo forte odor corporal, recordo que estavam para aí uns 30º de temperatura.
Segunda evidência o sr J. do alto dos seus 77 anos de vida já tinha tomado o elixir da juventude a.k.a. "mata bicho", o que prometia um dialogo interessante...
Atira o agente com ar de " vou-te lixar, tens o canudo mas sei mais do que tu "
-Tem que falar mais alto sr dr é que ele ouve mal e não tem o aparelho, finalizando com um sorriso maroto.
Estava tudo explicado, lá me apresentei , "sou o seu advogado"- gritei eu mas com cuidado, afinal apesar da zona aquilo era um tribunal e respeitinho era bonito Nada, apenas uns movimentos na cadeira que tinha tomado.
Mais uma vez e com um reforço de decibeis, perante o sorriso dos funcionários fiz as apresentações.
Captei a sua atenção o melhor era ser curto e grosso, mas também ele tinha a sua agenda, saca da carteira e apresenta-se "eu era fiel de alfandega" entre tanta gente de leis pensou que era melhor dizer que pertencia á familia, afastada mas familia. A idade já lhe tinha mostrado que ter familia em certos locais era fundamental.
"Oh sr dr eu tenho fome, vou ali comer qualquer coisa e depois volto tá bem?"- foi a sua resposta ao ter-lhe dito " o sr tá detido" em altos berros.
O sr era surdo ou estava a fazer-me de parvo???- tudo isto perante o riso dos presentes que como já tava na hora de almoço as regras afrouxavam substancialmente.
-Oh xô Doutore, precisa de um funil?- atirou uma mais afoita, sorriso pepsodente , limpo o suor da testa,
De facto devia ser obrigatório neste tribunal.-retorqui eu.
Virei-me para o sr J. e gritei com a convicção de um policia da televisão "O sr tá preso!! compreende só vai comer quando o sr agente o levar"
Afinal a sra Dra juíza vai ouvi-lo antes de almoço, atirou um funcionário. Foi versão judicial de levantamento do rancho,principalmente porque não ia haver almoço para ninguém. Agora era eu que sorria.
Chegados a´presença da juíza (dupla feminina, tava feito se ele se esticasse com o argumento de "ela falta-me ao respeito.") que para o meu horror insistia em tratar por menina explicou a sua istória.
Estava separado de facto da mulher à uma dezena de anos e tinha ido para a terra sozinho mas voltava uma ou duas vezes por mês por causa da renda e tal...
Claro que nessas ocasiões havia festa no sentido de porrada, insultos e puxões de cabelos, blasfémias e adjacentes cenas de faca e alguidar tipicas da zona.
Resultado, queixa crime, notificação para prestar declarações, e ele como fez parte da familia e como não fez nada de mais resolve ir quando entende, ou seja hoje de manhã.
Só que a justiça essa máquina sem rosto não conhece familia afastada e não se compadece com atrasos civilizacionais, já tinha sido passado um mandado de detenção para esse fiel de alfandega.
"Oh menina ela falta-me ao respeito e um home não é de ferro" responde ele à 5º tentativa, com a magistrada a suspirar por ele não ter optado pelo silêncio.- A culpa não foi minha eu tentei explicar as as minudências do processo penal, ao qual ele retorquia que tinha fome e ia ali comer qualquer coisa e depois voltava...
Terminando a sua intervenção com " eu tenho que ir apanhar o comboio das duas e ainda não almoçei!"-Não sei se as magistradas iram explodir de raiva ou desatar a rir.
Findo isto, após procurar um processo igual lá se promoveu a proibição de contactos, eu com o CPP aberto com ar de quem percebe da coisa nada opus e após uns minutos valentes, sai o sr J finalmente para o almoço.
A sra juiza com ar de quem vai entalar o maçarico "depois do almoço o sr explica-lhe as medidas de coacção."
E assim foi hora e meia a bater no relógio, cumprimentos a todos e vou eu almoçar...
Depois do almoço lá tive que gitar a plenos pulmões ao sr J., pois o almoço não tivera efeito na audição, que se ele fosse a casa da mulher ia preso o qual ele só entendeu à 6º tentativa, puxou do seu pente de muitos anos, alisou o cabelo oleoso e depois de almoçado cortesia do Estado foi calmamente apanhar o comboio das 16h lamentando ter perdido o comboio das duas...
Alguém tem comprimidos para a garganta?
Os mestres que já passaram por estas podiam partilhar as suas experiências hem???, não ? pronto era só uma sugestão.